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5 poemas de Caio Bulla

por Caio Bulla
Foto de Luísa Machado para ilustrar os poemas de Caio Bulla.

Caio Bulla nasceu em 1991, em Maringá-PR. Graduado em Direito, é servidor público na cidade de Palmas. Lançou o livro de estreia, afiado, asfixiado, aficionado, pela Editora Folheando. Tem poemas publicados no blog Poesia na Alma, no portal Mirada Janela Cultural e nas revistas Sucuru e Variações.


tenho um apêndice
que rejeita o mel
que rejeita todas as
possibilidades do mel
e do leite

sinto o cheiro da sua 
permanência as camadas
de suor novas cutes que se
sedimentam talhadas no
fogo lento
lento fogo

com uma mão atrelada
ao passado e a outra ao
futuro não é possível 
recolher o cigarro que caiu
no chão as moedas que 
rolaram ladeira abaixo

não é possível morder
o próprio rabo e provar a 
dor apenas a decepção da falta de
dor

porque a dor faz o apêndice ser
real faz o corpo em volta do
apêndice ser
real e a falta de 
dor é uma dúvida ainda
pior

um dano estético como
uma trituração uma 
queimadura uma
amputação causa de
dores fantasmas 

e ficará gravada no
rosto como 
cicatriz de
uma doença
virulenta

o melhor seria expurgar a
terra de todo o 
mel de todo o 
leite e matar a sede
com o que estivesse
à mão água da 
chuva da caixa 
d’água do vaso
sanitário da bica
de nossas imprecisões


ㅤㅤㅤ a espera é deriva
ㅤㅤㅤ do agora

ágora
ㅤㅤㅤ vazia

restos para coleta
ㅤㅤㅤ ㅤㅤㅤ ímã de outrosㅤㅤㅤ restos

ㅤㅤㅤ vapor
ㅤㅤㅤ de ideias
ㅤㅤㅤ frio
ㅤㅤㅤ caligem
ㅤㅤㅤ vislumbre

ㅤㅤㅤ a espera é carretel
ㅤㅤㅤ de seda
sede
ㅤㅤㅤ seca
ㅤㅤㅤ sulco
ㅤㅤㅤ contrassenso
ㅤㅤㅤ quanto maior
ㅤㅤㅤ maior
ㅤㅤㅤ o despreparo
ㅤㅤㅤ constrangimento

ㅤㅤㅤ quem dera
ㅤㅤㅤ se soubesse
ㅤㅤㅤ os segredos
ㅤㅤㅤ do ser príncipe

mesmo nus de todas as certezas
seria o mundo à espera da possível realeza


corpos
já não comportam
seu conteúdo

cheios de nada
um pouco de tudo

o pior de nossos possíveis derrames
é sequer deixar sequelas
em nossos vasilhames
em nossas meias-tigelas

depois do balão gástrico
para ocupar espaço de nosso alimento
mostrou-se prático
o uso de arremedos da realidade
como balões cefálicos
para evitar os embaraços do pensamento

a supremacia tática do vazio
no nosso fastio de compartimento


eu como caça
peso a massa
que me preda

eu como caça
teso a massa
que me pedra

eu como caça
farejo o perigo
sinto o beijo
do amigo que
me maxila
do vizinho que
me exila
do parente que
me desfilia

eu como caça
corro da massa
que me acossa

eu como caça
sem casamata
que me possa

eu como caça
morro da massa
que me mata

eu como caça
carneada
quem sabe
retome a humanidade
na próxima temporada


moro com os cães
onde nem os cães
pretendiam morar

oram as minhas mães
porque só podem orar
pais nossos
oram as mães dos cães
porque não podem roer
mais ossos

moro com os cães
no óxido da pick-up
abandono sem escape
nosso teto
nosso tétano
nosso thánatos
feto do monóxido de carbono
cujo aborto por extenso
me fez morto lato sensu

volto ao germe
nos seus olhos ou narinas
quando o perfume da carnificina
impregna sua derme
ou quando
a vacina de raiva
é uma dádiva
porque na minha vida
e na dos meus cães
nem só nos pães
são as mordidas


Foto de Luísa Machado.

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